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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Trecho do filme: As horas

Virginia sentada na estação de trem, ele chega correndo.
Virginia: Sr. Wolf, que surpresa agradável.
Leonard: Talvez possa me dizer exatamente aonde pensa que vai.
Virgínia: O que eu fiz?
Leonard: Fui te procurar. Não te achei.
Virginia: Você estava no jardim. Não quis incomodar.
Leonard: Me incomoda quando você desaparece.
Virginia: Eu não desapareci! Fui caminhar.
Leonard: Caminhar? É só isso, uma caminhada? (Virgínia suspira cansada). Temos que voltar pra casa. Nelly está fazendo o jantar. Ela já teve um dia difícil. É nossa obrigação comer a comida da Nelly.
Virginia: Não existe tal obrigação. Não existe NENHUMA obrigação!
Leonard: Você tem obrigação com sua lucidez.
Virginia: Não agüento mais essa prisão! Não agüento mais essa opressão!
Leonard: (Repreendendo) Virgínia!
Virgínia: Sou cuidada por médicos em todo lugar! Sou cuidada por médicos que me informam os meus próprios interesses.
Leonard: Eles sabem dos seus interesses.
Virgínia: Não sabem! Eles não podem decidir o que me interessa.
Leonard: Virgínia, imagino que seja difícil pra uma mulher do seu...
Virgínia (interrompendo): Do quê? Do meu o quê, exatamente?
Leonard: Talento perceber que talvez não seja a melhor pessoa pra julgar sua própria condição.
Virgínia: Então quem é a melhor pessoa?
Leonard: (Gritando) Você tem um histórico! (Pausa) Você tem um histórico de reclusão. Te trouxemos pra cá pelo seu histórico de angústia, mau humor, desmaios, por ouvir vozes... Te trouxemos aqui pra te salvar do mal que faz a si mesma. (Pausa) Você tentou se matar duas vezes! Eu vivo diariamente sob essa ameaça. Eu montei a gráfica, nós montamos a gráfica não só pelo trabalho, não totalmente pelo trabalho, mas para que você tivesse um meio seguro de concentração e cura.
Virginia: Como bordado?
Leonard: (Gritando) Foi feito pra você! Foi feito para sua melhoria! Foi feito do nosso amor! (Pausa) Se não te conhecesse melhor, acharia ingratidão sua.
Virgínia: Eu sou ingrata? Está me chamando de ingrata? Minha vida foi roubada de mim. Vivo numa cidade que não desejoviver. Vivo uma vida que não desejo viver. Como isso foi acontecer? (Senta-se) Está na hora de voltar pra Londres. Sinto falta de Londres. Sinto falta da vida de Londres.
 Leonard: Essa não é você falando, Virginia. Esse é um sintoma da sua doença.
Virgínia: Sou eu.
Leonard: Não é você.
Virgínia: É a minha voz.
Leonard: Não é sua voz.
Virgínia: É minha e só minha.
Leonard: É a voz que você escuta.
Virgínia: (Gritando) Não é, é a minha. Estou morrendo, virando pedra nessa cidade.
Leonard: Se estivesse em condições de pensar, Virginia... lembraria que foi Londres que te deixou deprimida.
Virgínia: Se estivesse em condições de pensar? Se estivesse em condições de pensar?
Leonard: Te trouxemos pra cá para te trazer paz.
Virgínia:  Se estivesse em condições de pensar, eu te diria que eu luto sozinha e no escuro. No escuro profundo. E só eu sei, só eu posso entender minha própria condição. (PAUSA) Eu gostaria, para o seu próprio bem, que eu pudesse ser feliz nesse marasmo. Mas se for pra escolher entre esse lugar e a morte, eu escolho morrer.
Leonard: (Pensando) Muito bem. Londres então. Voltamos pra Londres.
Silêncio e os dois se olham.
Leonard: Está com fome? Eu estou com fome.
Virgínia: Vamos. (Levantam e vão caminhando até a saída) Não se pode encontrar  paz evitando a vida.

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