“Ninguém pode ser coagido a ser
protegido contra sua própria vontade” (Maria Karam)
"Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça" (Cálice - Chico Buarque)
Os últimos dias na mídia tem sido
demarcados por uma discussão sobre limites. Assistimos abusos de todos os
níveis, e bestificados percebemos que esses abusos sempre estiveram ali. A
novidade é a reação, inédita. Nos ensinaram a ser meigas e doces. Dizer “não”
com energia é um aprendizado que nos requer uma grande desconstrução.
Numa emissora de TV, uma mulher
denuncia um assédio violento por parte de um ator famoso. Na mesma emissora, em
um programa de muita audiência, uma moça sofre abuso em todos os níveis ao
vivo. Ela não denuncia. É preciso que terceiros interfiram. E ao ser afastada
do agressor, a moça chora, justifica as atitudes do moço, tende a dizer que
tudo aquilo é um exagero. Fatos, apenas. Fatos num país onde uma cultura do
estupro justifica sempre o masculino, enquanto procura uma mulher para colocar
a culpa. Foi possível encontrar quem dissesse que a primeira moça estava
querendo aparecer a “fazer nome” em cima do ator famoso, enquanto a outra
irritou e provocou o namorado até ele enlouquecer e ficar desequilibrado
emocionalmente. Culpa dela. Estamos todos, homens e mulheres, inseridos dentro
dessa cultura e precisando urgentemente desconstruí-la. Para que não exista
mais essa relativização da violência contra a mulher. Diante de um caso claro
onde a mulher é vítima, quem nunca ouviu que “essa história está muito mal
contada?”
Mas para além de tudo isso, moram
as verdades de cada um. Algumas pessoas, em momento de fragilidade, precisam de
ajuda para sair da situação onde foram parar. Quanto mais abusada a pessoa,
mais dificuldade ela encontra em sair de relações tóxicas. E é preciso que essa
pessoa encontre em nós apoio e acolhida. Apenas. Todo o resto da tentativa de
proteção talvez seja diversificação de tutela. Se entendo que o outro precisa
ser protegido, estou lidando com várias percepções erradas: Eu sei o que é
melhor para o outro, o outro não sabe o que está fazendo, e, em última
instância, se eu não salvar a pessoa ela estará perdida.
Tudo errado. Isso é exatamente o
que qualquer abusador faz. Enxerga o outro como menor, pequeno, enxerga a si
mesmo como o grande salvador sem o qual o outro só faz bobagem... Isso
significa que, se eu não estiver muito muito atenta, corro o risco de, tentando
proteger alguém, transformar-me no seu algoz, determinando o que o outro deve
pegar ou largar, o que ele deve sentir, de que forma deve agir.
Eu não tenho resposta. Não sei
proteger uma mulher sem reduzir sua autonomia sobre si. Intuo que o caminho
passa por ajudá-la a sentir-se mais forte para fazer por si. Só nós arcamos com
o custo e os frutos de nossas escolhas. É justo que nós sejamos os
protagonistas das ações.
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